A propriedade
comutativa da multiplicação é aquela que diz o seguinte: se a e b são números
reais, então
a×b = b×a
Por exemplo: 2×4 = 4×2
(ambos os lados da igualdade valem 8). Resumidamente, tal propriedade diz que a
ordem dos fatores não altera o produto.
A propriedade
comutativa da adição, por sua vez, diz algo parecido: a ordem das parcelas não
altera a soma. Ou, de modo mais preciso, se a e b são números reais, então
a + b = b + a
Especificar que a e b são números reais é de fundamental importância neste caso, pois se não
esclarecermos bem quem são os fatores (e qual é a operação envolvida) corremos
o risco de a propriedade não funcionar (acima ficou implícito que × e +
representam, respectivamente, as operações de multiplicação e de adição usuais
– as quais bem conhecemos desde a época em que chamávamos a professora de tia).
Ilustremos o que
acabamos de dizer: a afirmação "a ordem dos fatores não altera o produto" é falsa
se os fatores forem matrizes e o produto for o resultado da multiplicação de
matrizes. Por exemplo:

Por outro lado, a
afirmação "a ordem das parcelas não altera a soma" continua válida mesmo que estejamos
nos referindo às operações matriciais. Mas voltando ao conjunto dos reais, a
propriedade comutativa da adição vale de uma maneira um pouco mais geral: se c
também é um real, então
a + b + c = a + c + b = b + a + c = b + c + a = c + a + b = c + b + a
E nada nos impede de
acrescentar mais uma parcela, pois ainda assim poderíamos alterar suas ordens
(de modo totalmente arbitrário) sem alterar o valor da soma. Na verdade,
podemos fazer isso com qualquer número finito de parcelas. Bom, até aqui
nenhuma novidade. Todos já estamos acostumados a lidar com estas operações e
usufruir destas propriedades.
Mas a pergunta que eu
gostaria de apresentar ao leitor é seguinte: o que acontece com a
comutatividade da adição se considerarmos um número infinito de parcelas reais?
Será que a propriedade comutativa ainda vale? Em outras palavras: será que, se
somarmos uma quantidade infinita de números reais, podemos alterar de modo
completamente arbitrário a ordem das parcelas sem que o valor da soma seja
alterado? (Isso, presumo eu, seja novidade pelo menos para uma parte da
população).
A verdade é que, de
modo geral, tal propriedade não vale quando estamos lidando com somas
infinitas. Como exemplo, consideremos o número loge(2) expresso como uma soma de infinitas parcelas:
+escrito+como+uma+soma+de+infinitas+parcelas.png)
Dividindo ambos os
lados por 2:

Reescrevendo a soma de
modo conveniente:

Somando termo a termo
as expressões [I] e [II]:

Enfim:

O leitor atento poderá notar que as somas [I] e [III] possuem exatamente as mesmas parcelas (o procedimento algébrico serviu para reordená-las). O leitor também poderá notar que, apesar disso, os valores
das suas somas são diferentes! (olhando o lado esquerdo das respectivas igualdades, vemos que a primeira vale aproximadamente
0.69 enquanto que, a segunda, vale mais ou menos 1.03). Ou seja, mudamos a ordem das parcelas e o valor da soma não permaneceu o mesmo.
Isso mostra que quando o assunto é o infinito as coisas mudam de figura.
OBSERVAÇÃO 1: o texto acima assumiu alguns fatos sem maiores explicações de maneira que alguns leitores (provavelmente) estão se perguntando, dentre outras coisas, o seguinte:
- Como sabemos que loge(2) é dado por aquela
soma infinita?
- Como sabemos que,
quando temos uma igualdade na qual um dos membros é uma soma infinita, podemos
efetuar certas operações em ambos os lados sem alterar a validade da igualdade (por exemplo, dividir ambos os lados por 2)?
Para responder de modo
detalhado a estas questões, precisamos nos aprofundar um pouco mais nos estudos
das “somas infinitas”, ou seja, das séries (tanto numéricas quanto de Taylor).
Por isso sugiro aos interessados que pesquisem em livros de Cálculo Diferencial
e Integral e/ou Cálculo Numérico e/ou Análise Real. De qualquer modo, dúvidas
pontuais podem ser deixadas como comentário que, o mais breve possível,
responderei.
OBSERVAÇÃO 2: às vezes, a
comutatividade ainda vale mesmo quando a soma tem infinitas parcelas, por
exemplo:

Usando a conhecida
fórmula da soma dos termos de uma progressão geométrica infinita, podemos
concluir que cada um dos lados da igualdade acima vale 2.
OBSERVAÇÃO 3: embora loge(2) (assim como qualquer outro número real) possa ser expresso como uma soma de infinitas parcelas, nem toda soma de infinitas parcelas representa um número real. Seguem dois exemplos de somas infinitas que não representam número real algum:
1 + 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + ⋯

OBSERVAÇÃO 4: para encerrar, uma mini nota histórica: o fato ilustrado nesta exposição (isto é, de que quando alteramos a ordem das parcelas de uma soma infinita o seu valor nem sempre permanece o mesmo) foi descoberto pelo matemático francês Augustin-Louis Cauchy em 1833.
Referência: "Curso de
Análise Volume 1" de Elon Lages Lima e "Cálculo Volume 1" de Tom M. Apostol.
Erros podem ser relatados aqui.
Ontem mesmo estava lecionando uma aula particular sobre séries infinitas e comentei com a aluna que existem séries numéricas em que o seu valor é alterado se mudarmos a ordem dos termos. Outro exemplo desta situação encontra-se no livro do Simmons Vol. 2. Muito bem escrita e muito instrutiva esta postagem. Parabéns!
ResponderExcluirObrigado pelo elogio! Embora este assunto, creio eu, dificilmente seja tratado fora de um curso superior de exatas, tentei escrever algo acessível para a maioria da pessoas e que, apesar da ausência de detalhes, possa servir para motivar o estudo posterior.
ExcluirImagino que sua aluna tenha ficado surpresa. Na verdade eu fiquei surpreso quando fiquei sabendo disso, pois numa primeira vista soa esquisito que a comutatividade não funcione numa "soma" (certamente esta estranheza provém do fato de não atentarmos para o verdadeiro significado de "soma de uma série" que, apesar de envolver o sinal de +, não podemos confundir com a soma usual). Talvez eu escreva mais sobre isso... creio que séries é um tema bem interessante.
Fiquei curioso para ver a abordagem do Simmons, mas infelizmente não disponho da referência que o prof. indicou (em todas as obras que eu olhei, é utilizada a mesma série que eu usei acima). Abraço.
Pedro R.
O exemplo citado acima é um exemplo clássico que foi descoberto por Bernhard Riemann e na verdade está presente no final do livro do Simmons Vol. 1 quando trata-se da biografia deste matemático.
ExcluirO erro no desenvolvimento acima é que a premissa que o logaritmo neperiano de 2 é dado por [I], pois na série de Taylor só é valida para ln(1+x) = ..... para x<1, ou seja não contempla o exemplo acima. Então a série [I] não é convergente e assim não pode ser usada.
ResponderExcluirVer https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rie_de_Taylor
ResponderExcluirOlá Geraldo Gomes.
ExcluirNo fundo, tudo o que precisamos saber para o argumento acima funcionar é que a série dada em [I] converge para algum número não nulo L (a prova deste resultado pode ser encontrada no livro "Curso de Análise, Vol I" do Elon). Assim, poderíamos trocar o símbolo loge(2) por L e aplicar o mesmo raciocínio (neste caso, comparando [I] e [III] teríamos L e 3L2, que também são diferentes dado que L≠0).
Porém, essa série realmente converge para loge(2) (a prova deste resultada pode ser encontrada no livro "Cálculo, Vol I" do Tom Apostol). Assim, não tem nada errado com a igualdade [I]. O erro ocorre mesmo quando comutamos as parcelas.
Quanto à série de Taylor, o teste de convergência nos diz que ela converge quando |x|<1 e diverge quando |x|>1. Porém, este teste não nos diz nada sobre o que acontece quando |x|=1, isto é, quando x=−1 ou x=1. De fato, tal série também converge para loge(1+x) quando x=1 (veja o livro do Apoatol). Se x=−1, ela diverge.
Abraço. Pedro R.