segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ilustrações geométricas para alguns fatos algébricos [Parte 1]


Iniciaremos uma série de postagens que pretende ilustrar geometricamente alguns fatos algébricos. Comecemos com a propriedade distributiva:



Em álgebra, uma das técnicas de fatoração bem conhecida consiste em colocar um fator comum em evidência:

abacada(b + c + d)

Na expressão acima temos uma soma de três parcelas. Cada parcela é um produto. Os três produtos tem o a como um de seus fatores, por isso se diz que ele é um "fator comum".

Este procedimento é uma consequência da "distributividade da multiplicação com relação a soma". Em se tratando das operações de multiplicação e de adição, a propriedade distributiva diz que se  ab e c são números reais quaisquer, então:
a(b + cab + ac

Esta propriedade (que pode ser estendida para mais de duas parcelas dentro dos parenteses - e que sendo lida da esquerda para a direita constitui justamente o caso da fatoração por evidência) geralmente é ensinada, no fundamental, por meio de alguns pequenos arcos:
Em estudos posteriores é comum vermos a propriedade distributiva (as vezes chamada "lei" distributiva) ser apresentada como um axioma  (ou seja, como uma proposição que não precisa ter sua validade demonstrada para ser aceita). Contudo, vamos restringir nosso estudo ao conjunto {1, 2, 3, ..., n, ...} dos números naturais e ver como ela pode ser geometricamente demonstrada. O argumento é de tal modo simples que mesmo crianças podem compreendê-lo.

Considere então que  abc e d são números naturais. Vejamos em uma interpretação geométrica que, de fato, vale a seguinte igualdade:

ab + ac + ad = a(b + c + d)

Inicialmente lembre-se que a área de um retângulo é o produto da base pela altura. Agora:

Interprete o termo ab como sendo a área de um retângulo de altura a e base b;
Interprete o termo ac como sendo a área de um retângulo de altura a e base c;
Interprete o termo ad como sendo a área de um retângulo de altura a e base d, conforme as figuras abaixo:


Note que justapondo os três retângulos acima podemos obter um novo retângulo de altura a e base (b + c + d)


Agora, tudo o que temos que fazer é responder a seguinte questão: Qual é a área do retângulo grande acima - que é formado pelos três retângulos menores? (vamos chamar esta área de Ar).

Há pelo menos duas maneiras de responder a esta pergunta:

A primeira delas é notando que Ar (a área do retângulo maior) é a soma das áreas dos três retângulos menores que o forma, ou seja:

Ar ab + ac + ad 

A segunda maneira é fazendo uso do que já dissemos (que a área de um retângulo é o produto da base pela altura):

Ar a(b + c + d)
A conclusão é imediata:
ab + ac + ad = a(b + c + d)
Ou se preferir:
a(b + c + d) = ab + ac + ad 

Assim ficam geometricamente demonstradas tanto a propriedade distributiva quanto a técnica de fatoração por evidência (que são cosias equivalentes) para os casos em que abc e d são todos números positivos.

Observações:___________________________________________________

As figuras acima supõe, evidentemente, que c. Mas o raciocínio é válido independentemente da relação entre as medidas abc e d.

O termo que é colocado em evidência (neste caso o a) foi interpretado como sendo a altura de cada retângulo, mas nada impede que ele seja interpretado como sendo a base de cada um deles (daí a altura seria (b + c + d))

Pode-se fazer esta demonstração com papel e tesoura - o que pode ser bastante atrativo para as crianças. Basta construir, por exemplo, três retângulos de mesma altura e então, com eles (como se fossem peças de um quebra-cabeça) montar um quarto retângulo, fazendo as observações necessárias.

Por volta de dois mil anos atrás Euclides de Alexandria apresentou na primeira proposição do Livro II da obra Os Elementos sua versão do enunciado e da demonstração da propriedade tratada acima. Na verdade, para significar que ab + ac + ad = a(b + c + d) o que ele disse (numa linguagem totalmente geométrica e, talvez, pouco compreensível) foi o seguinte:


Caso existam duas retas, e uma delas seja cortada em segmentos, quantos quer que sejam, o retângulo contido pelas duas retas é igual aos retângulos contidos tanto pela não cortada quanto por cada um dos segmentos.

A demonstração dele consiste em construir uma figura parecida com o último retângulo mostrado acima e concluir que o retângulo maior é igual à soma dos retângulos menores (pois eles coincidem). Para isso ele usa algumas proposições já demonstradas no Livro I (a saber, as proposições 3, 11, 31 e 34).
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Referência: Livros de álgebra; Os Elementos de Euclides.
Erros podem ser relatados aqui.

4 comentários :

  1. Isso é muito interessante. Considero a leitura de ao menos algumas partes de 'Os Elementos' interessantíssima pra quem gosta de matemática.

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  2. Olá Vini, certamente "Os Elementos" é muito interessante de ler. Principalmente alguns resultados bem conhecidos como a pop. 47 do Livro I (Teorema Pitágoras)ou a prop. 32 do Livro I (a soma dos ângulos internos de um triangulo é 180°) ou a prop. 20 Livro IX (os números primos são infinitos).
    Até+
    Pedro R.

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  3. Olá, Pedro e Caroline!
    Em ritmo de forró, eu cantaria: "Ói, que isso aqui... tá muito bom. Isso aqui, tá bom de mais..."!!!!!

    Ah! Essa série promete e já estou ansioso pela sua continuação.Meus parabéns!
    Um abraço!!!!!

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  4. Valeu a força Francisco Valdir! Talvez pra muita gente não será coisas tão inéditas, mas pra quem não sabe vale a pena ver.
    Abraço.
    Pedro R.

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