quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A Fábula de Morgado: o contexto ideal para o ensino dos juros simples.



Todos sabem (ao menos aqueles que trabalham com matemática) que há dois tipos de juros: os simples e os compostos. 

Sobre o primeiro tipo, apresentaremos as considerações de parte de uma aula dada no PAPMEM pelo professor Augusto César Morgado (retrato ao lado) falecido em 2006, aos 62 anos. Nesta aula ele fala sobre o contexto ideal para se ensinar juros simples aos alunos.

Que o texto a seguir (transcrito quase exatamente nas palavras do professor) sirva de reflexão a todos aqueles que se comprometem com o ensino da matemática:

“Havia um reino encantado.

Nesse reino havia um velho cheio da grana e um príncipe muito elegante, muito bonito e pobre.

O príncipe pediu um empréstimo de 100 reais ao velho. Eles combinaram juros de 10% ao mês.

Passado um mês o príncipe foi até o velho que lhe disse ‘muito bem, veio me pagar os 110 reais?’

E o príncipe respondeu: ‘Não! Não posso pagar os 110 reais porque não tenho dinheiro’.

Nesse exato momento, quando o velho ia ter um ataque nervoso, surge uma fada encantada.

A fada joga um pouco de pó de pilimpimpim no velho.

Então o velho diz para o príncipe: ‘tudo bem príncipe, nós prorrogamos o empréstimo mais um mês, nas mesmas condições: juros de dez por cento. Mas eu estou me sentindo muito bondoso e não vou cobrar os juros de 10% sobre os 110 que o senhor me deve agora, vou cobrar os juros só sobre os 100 que o senhor me devia no mês passado’.

O príncipe acha ótimo.

Passa mais um mês, o príncipe novamente vai até o velho. O velho está lá esfregando as mãos: ‘veio me pagar hoje os 120 reais que me deve?’

O príncipe diz: ‘Não! Não vim, porque não tenho dinheiro’.

Quando o velho ia ter novamente um ataque, a fada encantada surge outra vez e joga pó de pilimpimpim no velho.

A fada trabalha com doses crescentes de pó de pilimpimpim. Ela agora coloca uma dose dupla de pó de pilimpimpim no velho, pois se ela colocasse uma dose simples, o velho provavelmente proporia que os juros corressem não sobre os 120 reais devidos atualmente, mas sim sobre os 110 reais passados. Contudo, como a dose é dupla, o velho propõe que os juros corram só sobre os 100 reais iniciais.

O príncipe acha ótimo.

Quando o príncipe voltou depois de um mês, a sua dívida era de 130 reais, mas daí o príncipe havia ganhado na loteria. Pagou o velho e foram felizes para sempre.”

O professor Morgado conclui:

O contexto adequado a juros simples é exatamente esse: conto de fadas. Na vida real isso não existe. Porque que se você está me devendo 120 eu vou lhe cobrar juros sobre 100 e não sobre 120 que você me deve? Uma coisa lastimável que se faz no ensino no Brasil é que no ensino fundamental [...] ensina-se juros simples. Isso é extremamente nocivo porque, primeiro que isso realmente não serve pra nada e segundo isso cria no aluno a falsa ilusão de que ele aprendeu a fazer esses cálculos financeiros. E ele se torna vítima fácil pra espertalhões: pessoas que praticam a fina arte de afastar os tolos de seu dinheiro. Ao ensinar apenas juros simples é melhor não ensinar, assim pelo menos você não cria no aluno a falsa impressão de que ele entende daquilo. É melhor não saber do que saber errado. Quem não sabe e tem consciência que não sabe sempre pode procurar um especialista. Agora quem pensa que sabe ai não tem jeito... Desnecessário é perguntar se em algum problema de vida real os juros são compostos ou simples. Os juros são compostos!

Que os professores sejam então cautelosos no ensino da “matemática financeira” e que deixem claro aos alunos a inutilidade prática dos juros simples (a aula completa pode ser acessada no link da referência).

Para ver outras perspectivas sobre este tópico, viste os blogs Xarlleslb Blog e Matemagicas (parte vermelha acrescentada em 19/07/14).

Gostou desta postagem? Então siga o Blog e deixe comentários.

Referência:

MORGADO, Augusto César. Matemática Financeira*. Rio de Janeiro: IMPA, 2010. Programa de Aperfeiçoamento para Professores de Matemática do Ensino Médio. Videoaula disponível para download em: <http://video.impa.br/index.php?page=janeiro-de-2010-2>. Acesso em 01/02/2011.

* Esta aula ocorreu em Julho de 2002 e foi retransmitida no PAPMEM (Programa de Aperfeiçoamento para Professores de Matemática do Ensino Médio) de 2010 em homenagem ao professor Morgado. A versão original da aula sem cortes, encontra-se aqui.


**Caso eles existam, apreciarei se erros de qualquer natureza (conceitual, de digitação, de escrita, matemáticos ou não) sejam apontados. Entre em contato aqui.

2 comentários :

  1. Olá... Estivemos um embate sobre esta temática, por estes dias... Alguns blogueiros receberam um artigo do professor Sebá para possível publicação, e 3 deles publicaram o artigo... Agora apenas um o mantem, para que se evite conteúdos idênticos.
    Resolvi prolongar o assunto, que é justamente sobre este seu artigo e recomendei-o no meu artigo. http://xarlles.blogspot.com/2014/07/JSMorgadoxSeba.html

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Charles. Obrigado pelo comentário. Acrescentei links para o seu texto e para o texto do prof. Sebá no corpo do texto da postagem. Abraço. Pedro R.

      Excluir

Arquivo do BLOG MANTHANO

Atualizações dos nossos parceiros: