quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Os Axiomas de Peano

Esta postagem (cuja intenção é enunciar os Axiomas de Peano) dá início a uma série que tem o objetivo de tratar sobre alguns aspectos dos números naturais. 
Notemos, inicialmente, que a utilidade dos Axiomas de Peano não é definir, mas sim caracterizar o conjunto dos números naturais (o que significa que tudo o que é verdade sobre os números naturais pode ser demonstrado a partir deles).
Assim, em vez de definir o que são os números naturais, os Axiomas de Peano os tomam como sendo objetos não definidos e apenas nos dizem quais são as propriedades que eles possuem.
Partindo, então, da existência de um conjunto que geralmente é representado por $\mathbb N$ e cujos elementos (não definidos) são chamados números naturais, os Axiomas de Peano podem ser enunciados do seguinte modo:
Axiomas de Peano.
  • Existe um elemento, representado por $1$ e chamado de um, tal que $1 \in\mathbb N$;
  • Existe uma função $s:\mathbb N\to\mathbb N$. A imagem do elemento $n$ é indicada por $s(n)$ e recebe o nome de sucessor de $n$;
  • A função $s$ é injetiva;
  • $1 \notin s(\mathbb N)$;
  • Se $X \subset\mathbb N$ é tal que $1 \in X$ e, para todo $x \in X$, tem-se $s(x) \in X$ então $X = \mathbb N$.
Observações:

- O primeiro axioma estabelece que o conjunto dos números naturais não é vazio (pois se fosse $\mathbb N = \varnothing$, então não poderia existir um elemento pertencente a $\mathbb N$);
-  O segundo axioma nos diz que todo número natural tem um sucessor que também é um número natural (isto se concluí notando que tanto o domínio quanto o contradomínio da "função sucessor" são iguais ao conjunto $\mathbb N$);
- O terceiro axioma nos diz que números diferentes tem sucessores diferentes (pois dizer que $s$ é injetiva significa que "se $n \neq m$ então $s(n) \neq s(m)$" ou seja, que elementos diferentes têm imagens diferentes - neste caso os elementos são números naturais e as imagens são os sucessores);
- O quarto axioma nos diz que o número $1$ não é sucessor de número algum (isto se concluí notando que $1$ não pertence ao "conjunto imagem" da função $s$, o que significa que não existe um natural $n$ tal que $s(n) = 1$, pois se existisse então $1$ pertenceria ao conjunto $s(\mathbb N) = \{s(n)\mid n \in\mathbb N\}$).
- O último axioma (que recebe o nome de Princípio da Indução e é muito utilizado em demonstrações), nos diz que se um conjunto de números naturais contém o número $1$ e, além disso, contém o sucessor de cada um de seus elementos, então este conjunto contém todos os números naturais.
NOTA HISTÓRICA

O homem no retrato abaixo é Giuseppe Peano (1858-1932): um dos mais conhecidos matemáticos italianos do fim do século dezenove a se interessar pela lógica matemática. Seus axiomas (cujo objetivo era reduzir a aritmética ao simbolismo formal e foram, portanto, originalmente enunciados em símbolos lógicos) foram formulados pela primeira vez por volta de 123 anos atrás, na obra Arithmetices principia nova methodo exposita (expressão em Latim que pode ser traduzida por "Os princípios da aritmética apresentados por um novo método").

 
Na figura abaixo vemos tanto a folha de rosto da referida obra, quanto o enunciado original dos axiomas (clique na imagem para ver grande):


Conforme podemos ver, há nove axiomas enunciados no livro. Entretanto, nos dias atuais, quando dizemos "axiomas de Peano" estamos, geralmente, nos referindo a apenas cinco deles: o primeiro, o sexto, o sétimo, o oitavo e o nono:

É muito curioso que (ao contrário da maioria das exposições modernas) ao enunciar seus axiomas, Peano não colocou originalmente o $0$ como sendo o número natural inicial, mas sim o $1$. Acima fizemos o mesmo, contudo não usamos um simbolismo estritamente lógico (tal qual fez Peano) mas sim a linguagem dos conjuntos.
Apesar do idioma desconhecido (ao menos pra mim) e do simbolismo antiquado podemos usar tanto o conhecimento que já temos sobre tais axiomas quanto a semelhança que alguns símbolos possuem com os modernos e arriscar concluir que: o axioma 1 nos diz que "$1$ é um número natural" (pois pertence a $\mathbb N$); o axioma 6 nos diz que "o sucessor de um número natural também é um número natural" (note que Peano representa o sucessor de $a$ por $a + 1$ - faremos o mesmo em postagem futura, quando definirmos a operação de adição); entendendo o segundo sinal de $=$ como um sinal de equivalência lógica e chamando $a$ de antecessor de $a + 1$, o axioma 7 nos diz tanto que "se dois números naturais são iguais então seus sucessores também são" quanto que "se dois números são iguais seus antecessores também são" (o que dá na mesma que dizer que números diferente tem sucessores diferentes); o axioma 8 nos diz que "o sucessor de qualquer número natural é diferente de $1$" e o axioma 9 enuncia o princípio da indução (recomendo que leia A Aritmética de Peano, no Baricentro da Mente, para ver um enunciado deste último axioma utilizando símbolos lógicos atuais).
Na próxima postagem desta série explicamos como funciona a técnica da demonstração por indução (provando, por exemplo, que nenhum número natural é igual ao seu sucessor).
Referências: livro "Análise Real" (de Elon Lages Lima); livro "História da Matemática" (de Carl B. Boyer); livro "Introdução À Filosofia Matemática" (de Bertrand Russel); livro "Introdução à Álgebra Abstrata" (de Evaristo e Perdigão).

Erros podem ser relatados aqui.

7 comentários :

  1. Parabéns Pedro pela excelente postagem. Estarei aguardando ansiosamente o próximo post desta história.

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  2. Relamente muito boa postagem. O contexto histórico também acho muito interessante nas postagens. O legal disso tudo é que, por mais que encontremos artigos de mesmo tema na internet, sempre encontramos alguns autores (como você) que nos trazem de forma diferente.
    Abraços!

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  3. Faço do comentário do Prof.Paulo as minhas também. Ótimo post. Só quero deixar uma sugestão de vídeo que se refere a primeira aula de Elon Lages no Curso de Iniciação Científica 2011:Análise Real. A primeira aula ele trata no inicio justamente desse propósito que é caracterizar o conjunto dos números naturais através dos Axiomas de Peano. Aí está o link para o downloa da primeira aula e das demais aulas caso alguém queira assistir as outras: http://video.impa.br/index.php?page=programa-de-verao-2011-analise-na-reta

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  4. Olá Prof. Paulo, dentro em breve estarei postando as continuações.

    Olá Kleber, creio que o maior desafio de todos nós (escritores de blog) é, a cada postagem, tentar fazer uma apresentação diferente, pois quase tudo sobre matemática já foi dito na internet (entretanto quase nada do modo como deveria ter sido).

    Olá Rafael, seu comentário não poderia ter sido mais pertinente, pois este vídeo citado por você faz parte das minas referências e por um lapso de minha parte não acrescente no fim da postagem (na vdd estou aproveitando as férias pra fazer esse curso de análise do elon via vídeo (estou na 3ª aula) e alguma coisa eu acabo transformando em postagem - tenho planos de fazer o mesmo com conteúdos das outras aulas). Uma curiosidade é que ele cita no vídeo que ñ é necessário explicitar nos axiomas a unicidade do 1 (pois dá pra provar) daí eu não explicitei, tive trocando umas ideias no Y!R e tentarei provar na próxima postagem).

    Abraços a todos e obrigado pelos elogios.

    Pedro R.

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  5. KKKKKKKKKKKK, está adiantando eihn?, estou na segunda aula.Bons estudos!!!

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  6. Adiantado nada, temo que o mês de férias das aulas vai ser pouco pra terminar (tomara que dê tempo). Bons estudos pra você também! (se você resolver algum exercício de análise real mande por e-mail *-* rsrsrs - é meio difícil estudar isso sozinho...).
    Pedro R.

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  7. Mais força ,e muita investigação sr pedro.se tens as suas exemplificacoes ,inovações nada mal seria isso na próxima oportunidade .

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